Na madrugada de 08 de junho de 1982, às 02h45, um dos Boeing 727 com as cores da Vasp e ostentando o prefixo PP-SRK, aproximava-se para efetuar seu pouso sob uma fina chuva na cidade de Fortaleza, Ceará, após cumprir mais um vôo. Porém, repentinamente, um estrondo foi ouvido em uma pequena localidade nos arredores da capital chamada Pacatuba, acordando a maioria dos moradores que, sem saber, ouviram o maior e mais grave acidente da aviação comercial brasileira até então. O avião, que havia decolado do aeroporto de Congonhas em São Paulo e feito escala no Rio de Janeiro, realizava o vôo 168 sem maiores problemas até bater e explodir em uma serra durante sua aproximação, causando a morte imediata das 137 pessoas que levava.
O impacto com a serra deu-se a uma altura de aproximadamente 594 metros, em uma área de muita vegetação, causando a completa destruição do avião e dos corpos da maioria dos ocupantes do 727, chegando até mesmo a ocorrer uma espécie de "fusão" entre pedaços dos corpos, os tecidos das roupas e o metal da aeronave, segundo relatos de quem participou do resgate. Os fragmentos do 727 se espalharam por uma grande área e alguns estavam a mais de 500 metros, muitos dos quais ainda podem ser encontrados no local após mais de vinte anos do acidente. Várias histórias são contadas pela população local sobre fatos estranhos ocorridos entre o momento do impacto e o início da manhã, desde saques até o aparecimento de fantasmas dos mortos, como uma suposta "procissão" de pessoas de branco, todas com uma vela branca acesa nas mãos, que descia do local do impacto e dirigia-se até a cidade de Pacatuba, poucas horas após o choque do avião com a montanha.
Pouco depois das 8h00 a Vasp começou a divulgar através de um funcionário em Fortaleza, a primeira lista dos passageiros embarcados em seu 727-200. Nessa hora, Antônio Azim, um rapaz de 17 anos interrompeu a leitura dos nomes gritando que havia perdido os pais no acidente (José e Heliani Azim, embarcados em São Paulo), saindo correndo do local. Pouco depois chegava ao aeroporto a informação de que o garoto havia sido internado em estado grave na casa de saúde São Raimundo naquela capital, após dar um tiro na cabeça.
Ao saber do acidente, muitas pessoas (que se tornaram centenas no dia seguinte) iniciaram a escalada da Serra da Aratanha, um caminho íngreme e que foi, depois de algumas horas, interditado. Três rapazes (José Ribeiro dos Santos, Raimundo Felício Ribeiro e Francisco Eugênio) foram presos por soldados do Corpo de Bombeiros carregando maços de cigarros e outros objetos, entre eles um dedo humano com um anel de brilhantes que não conseguiram extrair devido ao inchaço do mesmo já em processo de decomposição.
Helicópteros da FAB sobrevoavam o local, içavam sacos plásticos (alguns mencionavam sacos de amianto) com corpos e partes humanas recolhidas, trazendo tudo para o estádio municipal de Pacatuba. O primeiro helicóptero com material humano chegou as 16h45, quase 14 horas após a queda do 727, levando um saco contendo 50 quilos de restos mortais dos passageiros. No total, naquele primeiro dia, mais cinco viagens foram feitas e o total subiu para 400 quilos de fragmentos humanos, quase nada perto das dez toneladas que pesavam as 137 pessoas a bordo. As arquibancadas estavam lotadas de pessoas que queriam ver de perto estas cenas e muita gente que acompanhava os trabalhos desmaiava. No local do acidente as cenas eram dramáticas e, em alguns casos, soldados da FAB tinham de ficar pendurados em cordas sob helicópteros que pairavam sobre as árvores para retirar partes de corpos que estavam presos nos galhos mais altos.
Passados mais alguns dias, os destroços do 727 começaram a ser vendidos, livremente, ao lado da igreja matriz de Pacatuba. Após o término da segunda operação de resgate aos mortos e a liberação definitiva da área, o local começou a ser saqueado indiscriminadamente pelos moradores da pobre cidade em busca de restos do avião e de objetos que pudessem vender como ferro-velho, por valores entre 60 e 100 cruzeiros (nossa moeda na época). Pessoas de Fortaleza e de dezenas de outros municípios começaram a viajar até a cidade para comprar uma "lembrança" da tragédia. A polícia local tentou, em um primeiro momento, coibir este macabro comércio, mas, após consultar a Vasp e saber que ela não tinha interesse no material para perícia, liberou a venda.
Hoje, entretanto, muitos se arrependem: "Dinheiro de desgraça acaba rápido"... Estas palavras são do agricultor Moacir de Freitas, que chegou ao local da queda do 727 antes de qualquer homem do salvamento e diz que "ainda dava para ver que tinha muita coisa pegando fogo. Não ficou ninguém inteiro". Ele se lembra de que, quando os bombeiros chegaram, moradores da região já saqueavam os pertences das vítimas e foram obrigados a largar o que tinham pego. "A gente arrodeava a serra pelo outro lado. Muita gente pegou tudo que via e muitas dessas pessoas que ganharam muito dinheiro com a desgraça daqueles passageiros já se acabaram" (sic). Outro depoimento neste sentido é o de Luiz da Silva Lopes: "foi uma tristeza ver tanta gente morta... A gente estava dormindo e ouviu o barulho. Depois, pegou fogo na serra. Mais tarde as rádios começaram a falar que tinha caído um avião". Depois do acidente, ele passou a comprar todo tipo de destroços da aeronave que os moradores traziam de cima da serra e afirma: "o povo levou muito ferro-velho e eu comprava de todo mundo. Ia botando tudo aqui em meu quintal, que é grande, para vender depois". Um dia, ele resolveu vender todo o ferro-velho de uma só vez e explicou o motivo: "foi depois que eu vi um dedo de um dos mortos, ainda com um anel de ouro preso. Aquilo me deu desgosto do tamanho do mundo e parei de comprar o ferro-velho", relembra. Segundo Luiz, moradores encontraram até barra de ouro no local e ele próprio diz ter lavado muita cédula suja de sangue recolhida no local da queda do avião.
Ainda hoje, muitos moradores continuam a faturar uns trocados em cima da tragédia do vôo 168, levando turistas, curiosos e grupos de caminhada pela Serra da Aratanha adentro. Para chegar ao local do acidente, nas proximidades de um pequeno açude no alto da serra, é preciso andar durante quase duas horas por uma trilha aberta e que não oferece muitas dificuldades, em especial se não houver chuva, para então se deparar com os despojos da tragédia. Aliás, das duas, se incluirmos aí o drama familiar do meu guia, desempregado, seis filhos e uma mulher grávida do sétimo, todos de barrigas inchadas e ocas e sem esperança de preenchê-las naquele dia quente de verão.
Nossa Marcelo,havia assistido ao vídeo da tragédia devido a uma curiosidade mas não sabia que os moradores do local haviam chegado a este ponto de revender as coisas.
ResponderExcluirQue falta de tudo!